domingo, dezembro 11, 2005

Um balde de água pesada.

A cabeça ia baixa, atentando às minúcias que a calçada deixava abaixo de seus pés. A caminhada deveria ajudar os pensamentos a entrarem em seus devidos lugares, mas há fatos que precisam de mais que silêncio, mais que reflexão. Precisam de tempo. O ar já pesava sobre os ombros: era a gravidade trazendo os possíveis erros para as costas, era o não, do "não-aconteceu" que estava amarrado às lembranças boas. Corrompendo-as, infectando-as.
Chegado o semáforo, vermelho como ele mesmo ficara uma hora atrás, era hora dos pés escolherem onde se prostrariam pelo próximo meio minuto. Tempo no qual os carros - rápidos, insensíveis - iriam levar a luz central do palco de sua mente a um ponto menos triste. Era aquela velha alienação que como um fármaco assentava a inquietude do baço, mas era um placebo mais que um emplasto, visto que quando o branco e o cinza se alternavam sob os pés, o ar voltava a pesar, como, agora as pálpebras também o faziam.
Já media por volta de trinta centímetros, quando chegara em casa. A maçaneta agora era distante demais para que seu lar o acolhesse. O peso dos erros, do não, dos olhos e do passado o haviam tornado pequeno demais para chegar à fechadura, mas não pequeno o bastante para passar por baixo da porta.
A caminhada era ainda necessária, pensou primeiramente. Mas o tempo é a chave da questão, portanto, sentou. A luz ia baixa, por cima da cabeça que pesava cada vez menos e já enchergava um chão mais distante. A respiração que enchia o peito trazia de volta o ritmo normal do peito, uma certa velocidade de cruzeiro.
Quando o meio-fio deixou de ser um assento e voltou a ser uma elevação, as pernas trouxeram a distância de um metro e setenta e três centímetros de volta, entre a rua e os pensamentos, mas tranquilos. "A vida pode ser colorida se não deixarmos de sujar as mãos para pintá-la", havia dito uma vez. Talvez houvesse sido a hora de tons pastéis, mas agora era hora de lavá-las das mãos. Era hora de tomar a maçaneta, domar a fechadura. Era hora de passos mais firmes.
Sempre que olhar para aquela parte da pintura, os tons pastéis trarão de volta uma certa inquietude, trarão um certo peso aos ombros, mas nada que um desviar de olhos não ajude.

Tadeu.

2 comentários:

Alguém disse...

Tadeu, suas palavras não serão compreendidas por muitos...mas, serão sentidas por poucos. Eu sou uma dessas pessoas que as sente em sua plenitude...às ruas...me fazem pensar ...onde é o final das coisas?

carla

Alguém disse...

Imagina um círculo: O

onde é o final dele?

Se conhecer o círculo de Gauss, vai ter uma idéia ainda mais interessante disso.

Tadeu